A impunidade continua sendo a maior dificuldade para combater a violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. A afirmação é de Alison Sutton, coordenadora de Proteção à Infância e à Adolescência do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De acordo com Alison, o grande número de casos de abuso e exploração sexual de crianças já denunciados por meio de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) nos últimos anos, e até hoje sem resolução, mostram falhas na atuação policial ou do Poder Judiciário.
“Isso [os casos sem resolução] indica que há alguns problemas no tratamento desse tipo de questão, ou na investigação pela polícia ou no seu exame pelo Judiciário, que não está funcionando. Então essa é uma área em que se precisa investir mais”, disse. Entre outros aspectos que precisam melhorar, ela cita os sistemas de vigilância e a coleta de dados para subsidiar uma política mais integrada, que atue desde a prevenção dos crimes até a responsabilização dos agressores.
Alison aponta ainda que as questões envolvendo a criança precisam ser priorizadas pela Justiça. “Quando se trata de uma violação contra uma criança, de qualquer tipo, mas especificamente de violência sexual, precisamos tratar isso com absoluta prioridade não só na resolução do caso e responsabilização, mas também na sensibilidade do trato com a criança e da defesa dos seus direitos nesses casos extremos”, defende.
Segundo ela, o Brasil já tem exemplos, como no Rio Grande do Sul, onde vem sendo adotada uma sistemática de depoimentos sem danos. Delegacias especializadas em crimes contra crianças e adolescentes contam com equipes multidisciplinares para tratar as vítimas adequadamente durante as investigações, levando em consideração que são seres em desenvolvimento e por isso precisam ser tratados de forma cuidadosa. Para ela, a prática precisa ser ampliada e adotada em todos os estados.
Envolvimento de autoridades
A dificuldade na punição dos envolvidos na exploração sexual de crianças e adolescentes também foi levantada pela subsecretária da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Carmen Oliveira. Para ela, o envolvimento de autoridades em casos de exploração sexual inibe a atuação do Poder Judiciário e contribui para a impunidade dos crimes.
“Há um crime organizado em torno desse tema e nós temos, na maioria dos casos, o envolvimento de autoridades locais, o que constrange o sistema de Justiça a fazer a devida intervenção no caso”, afirmou. De acordo com a subsecretária, de 45 dos 80 casos emblemáticos levantados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou em 2003 e 2004 as redes de exploração sexual no país, apenas 22 dos 158 acusados foram condenados. Destes, 37 foram absolvidos e 107 sequer foram julgados. Apenas 10 vítimas foram acompanhadas.
“Isso hoje é um Calcanhar de Aquiles, porque não adianta de nada ter população mobilizada para a denúncia, redes que fazem chegar ao sistema de Justiça esses fatos se essa penalização não acontecer”, apontou Carmen.
Ela destacou ainda que as denúncias de exploração sexual vêm crescendo mais do que os registros de abuso sexual. Nos primeiros quatro meses do ano o Disque 100 recebeu informações de 2.158 casos, cerca de 80% do total de registros contabilizados em todo o ano de 2006, que chegaram 2.597. No entanto, a certeza de que as denúncias possam gerar a punição de agressores exige uma mudança cultural entre os membros do Poder Judiciário.
* Com informações da Agência Brasil