Programa Na Mão Certa

Diferentes olhares para encarar a mesma batalha


Fotos: Romero Cruz


O tema intersetorialidade foi muito debatido no 13º Encontro Anual Na Mão Certa, realizado dia 18 de novembro. Um dos desafios da Childhood Brasil é integrar o poder público, a sociedade civil e o setor privado na prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes

Nada como ter pessoas engajadas em resolver o mesmo problema para falar dos diferentes caminhos em busca da mesma solução. O tema “Diferentes olhares na prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes”, foi a pauta do principal painel do 13º Encontro Anual Na Mão Certa e reuniu representantes do poder público, empresas privadas e terceiro setor.

Priscila Silva | Coordenadora de projetos da Fundação Roberto Marinho

Priscila Silva, da Fundação Roberto Marinho, perguntou logo de cara quem já tinha colocado a palavra “sexo” na busca do Google. Entre olhares tímidos da plateia, ela deixou claro que seu objetivo era chamar a atenção de todos para as armadilhas encontradas na internet. O assunto preocupante foi trabalhado pelo Canal Futura junto com a Childhood Brasil e o Unicef ao lançarem a série Crescer sem Violência, com os temas “Que exploração é Essa?”, “Que Abuso é Esse?” e “Que Corpo é Esse?”. O próximo, para 2020, será “Que Internet é Essa?”.

Nas duas primeiras séries o foco foram os adultos e, em alguns casos, adolescentes. O desafio era saber como ajudar as famílias e educadores a prevenir a exploração e o abuso sexual de crianças e adolescentes. Além do seriado, com informações de qualidade, educadores fazem cursos presenciais e minicursos online onde aprendem diferentes formas de combater essas agressões. “Mas, ainda precisávamos falar com as crianças e adolescentes diretamente. Foi aí que criamos ‘Que Corpo é Esse?’ que traz para a prática a proposta de desenvolver a autoproteção”, explicou Priscila.

O Crescer sem Violência foi premiado com o I Prêmio Neide Castanha de Direitos Humanos (2011) na categoria Boas Práticas, com o Prêmio TAL na categoria Grande destaque (2016) e neste ano novamente foi premiado no TAL com Melhor Produção Infantil produzido por Televisões Públicas e Culturais da América Latina.

As mais de 300 pessoas presentes no Encontro assistiram à exibição do episódio “O direito de dizer não”, da série “Que corpo é Esse?”, indicado para crianças de 0 a 7 anos – o seriado foi dividido em três faixas etárias (0 a 7; 8 a 13; 14 em diante). Todos os filmes podem ser vistos no Futura Play e no YouTube, inclusive com legenda em libras para crianças com deficiência auditiva – público que não está fora de risco, muito pelo contrário.


Daniela Vieira responsável pelo relacionamento com comunidades, desenvolvimento local e projetos sociais da Duratex

O Projeto Bem Cuidar, realizado pela organização Aldeias Infantis SOS Brasil em parceria com a Childhood Brasil e apoiado pela Duratex, nasceu em 2018 como um projeto piloto da Duratex no Programa Na Mão Certa através do Projeto Soluções & Ferramentas em João Pessoa (PA), foi apresentado por Daniela Vieira, responsável pelo relacionamento com comunidades, desenvolvimento local e projetos sociais. Um dos primeiros números exibidos foi que em 2017 houve 338 denúncias de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes na Paraíba, sendo que 56 partiram de João Pessoa.

O alvo é ter uma resposta efetiva de proteção de crianças e adolescentes contra exploração sexual e ampliar a discussão sobre o tema. “O diagnóstico do território feito pela Childhood Brasil nos deu indicadores importantes para engajarmos a comunidade, capacitar a rede de proteção e envolver famílias, crianças, jovens e a comunidade do entorno à nossa fábrica da DECA situada em João Pessoa.” Resultado é que a empresa está entre as eleitas no “Guia Exame de Sustentabilidade” deste ano.

Daniela contou também que, no escopo do Projeto Bem Cuidar, iniciativas de protagonismo juvenil são realizadas para engajar a comunidade nessa luta, como canal no Youtube, contadores de histórias e multiplicadores. “Também é importante contribuir no desenvolvimento das comunidades. Ouvir das pessoas o que falta a elas e contribuir com as soluções.” A Duratex apoiou o Projeto Bem Cuidar por meio de uma doação ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FUMCAD) de João Pessoa

Carlos Alberto de Souza, Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo (CMDCA/SP)

Sabendo da necessidade de apoio para fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Carlos Alberto de Souza, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo (CMDCA/SP), ressaltou a importância de a criança ser ouvida e ter sua opinião respeitada.

Ela precisa participar das discussões de políticas públicas. Melhor do que todos, é ela que vai dizer que falta luz na rua dela, que o campinho de futebol está abandonado, vai dizer o que a representa ou não”, disse Carlos Alberto, que explicou o funcionamento interno do Conselho, um órgão público composto por representantes da Prefeitura de São Paulo e Organizações da Sociedade Civil e falou sobre a boa relação com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania.

Como Presidente do CMDCA/SP, Carlos ressaltou a importância do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FUMCAD) e da necessidade de haverem organizações e projetos voltados à prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes, mas, sobretudo que haja também um interesse das empresas e da sociedade civil em doar recursos para estes projetos que urgem por financiamento.



Berenice Maria Giannella,Secretária Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo

Berenice Giannella, secretária Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, participou do painel e foi enfática ao dizer que a sociedade não pode se calar. A secretária lembrou que São Paulo foi a primeira cidade a assinar o Pacto Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes e disse que a rede enfrentamento do município é grande. “As vítimas não têm classe social e a violência ocorre em todos os gêneros. São Paulo tem programas locais de atendimento às vítimas, mas isso não vai mudar se não abrirmos os olhos como sociedade. Principalmente, no caso da exploração sexual.”

Para Berenice é primordial tirar esses casos da invisibilidade. “As empresas que hoje estão aqui devem expor os dados apresentados para mostrar o quanto isso é nocivo e equivocado. Precisamos discutir esse tema, principalmente com os homens, que são a maioria das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, mas sem esquecer das mulheres que são fundamentais na mudança de paradigma deste problema.”

Na opinião da secretária, esses casos de violência estão sendo naturalizados na sociedade: “A menina foi porque quis? Não!”. Berenice reforçou ainda que, exploração sexual também é um tipo de trabalho infantil, segundo a Organização Internacional do Trabalho, além de uma violação de direitos humanos. Além disso, Berenice chamou a atenção para estudos do Banco Mundial que apontam que crianças que sofrem ou presenciam violência na primeira infância têm um desenvolvimento cerebral muito inferior ao normal quando comparado com as que não viveram violências e levam isso para a vida toda.

Até mesmo a questão do “homeschooling” (educação domiciliar, em inglês) foi abordado. “Precisamos falar mais sobre isso. A escola também é um local de proteção”, alertou Berenice, lembrando que se a criança for abusada por um parente ou amigo da família ela poderá se abrir com a professora. “Com a educação domiciliar vamos descobrir o abuso, possivelmente, muito tardiamente.”

Signatária do Pacto e participante do Programa Na Mão Certa desde 2015, o CEO da Triunfo Transbrasiliana estava feliz ao fazer sua apresentação sobre o projeto Agentes de Proteção. “O resultado é motivo de muito orgulho para nós. Cem porcento dos nossos colaboradores foram treinados”, disse Marcos Pereira. Além de terem trabalhado a conscientização sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, o importante para o executivo é saber que agora os colaboradores sabem como agir caso precisem denunciar.

Marcos Pereira Diretor Administrativo Financeiro e de Relações com Investidores da Triunfo Participações e Investimentos e CEO da Transbrasiliana Concessionária de Rodovia

Para Pereira, o envolvimento e engajamento da alta gestão da concessionária fez e ainda faz toda a diferença. “Na iniciativa privada, a multiplicação feita pela diretoria é essencial”, diz A empresa foi reconhecida no “Guia Exame de Sustentabilidade”, organizado pela revista Exame, por sua atuação com o projeto “Agentes de Proteção”.

O painel foi encerrado com a apresentação de três projetos da Plan International Brasil, que tem sede nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí e São Paulo. Ana Nery Correia Lima, Coordenadora de Projetos, falou sobre os quase 30 anos do ECA, do direito à oportunidade de proteção e segurança e chamou o público para uma reflexão: “Será que as crianças e adolescentes com quem a gente atua tem as mesmas oportunidades que nossos filhos?”. Uma dessas oportunidades é o acesso a informações qualificadas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes.



Na opinião de Ana Nery, a falar sobre a autoproteção é peça-chave na prevenção da violência sexual. A educadora disse também que ao mesmo tempo em que falamos com as crianças e adolescentes, estamos falando com nós mesmos. “Precisamos falar com a família, com todos. Se não vamos ficar enxugando gelo”, alertou.

Eva Dengler, Gerente de Programas da Childhood Brasil, que mediou este painel, concluiu que os convidados conseguiram dar materialidade à urgência da intersetorialidade para ações de prevenção, aprendemos que as organizações da sociedade civil podem atuar articular e em rede, criando projetos e iniciativas de prevenção, mas dependem do apoio do setor privado que pode investir nesses projetos por meio do FUMCAD em cada município ou Estado onde tem operações.

No entanto, para que o ciclo esteja completo, tanto o Governo Estadual quanto a Prefeitura Municipal, articulada com o Conselho Estadual ou Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente precisam abrir editais de contemplem projetos de prevenção a violência sexual contra crianças e adolescentes e estruturar seus Fundos Estaduais e Municipais para receber as doações das pessoas jurídicas e físicas que estão sendo mobilizadas para a causa. “Hoje tivemos uma ampla demonstração de que já existem bons projetos, empresas engajadas e atuantes, e lideranças do poder público que compreendem a urgência de colocar ações territoriais e intersetoriais em prática”, concluiu Eva.

 

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