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Autoridades protestam e ministro da justiça acena com revisão

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de absolver um homem adulto acusado de estuprar três meninas de 12 anos, tomada no dia 27 de março, desencadeou uma onda de revolta de autoridades, figuras públicas e organizações engajadas na luta pela promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

A relatora do processo, a ministra da Terceira Seção do STJ Maria Thereza de Assis Moura, reuniu provas e relatos constatando que as três crianças estavam aliciadas pela rede de exploração sexual anos antes de consumarem a relação sexual com o réu em questão. Este dado, segundo a ministra, desqualifica o argumento de que o réu teria violado a liberdade sexual delas, inocentando-o da acusação de estupro.

Entretanto, como ressalva a nota de repúdio publicada em 29/03 pelo Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, a decisão da ministra contraria a legislação vigente: “segundo a lei 12.015, de 7 de agosto de 2009 que altera o Código Penal, ter conjunção carnal ou ato libidinoso com crianças menores de 14 anos é considerado Estupro de Vulnerável”, diz o Comitê, do qual a Childhood Brasil faz parte.

O julgamento do STJ infringe o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente — mais uma salvaguarda jurídica dos direitos da infância e da juventude relativizada no processo — que criminaliza a exploração sexual comercial de crianças como as três meninas do caso. “Houve uma inversão de papéis: o adulto é quem deve proteger as crianças e adolescentes. Neste caso, o acusado se transformou em vítima e as meninas em culpadas”, argumenta o gerente de Programas da Childhood Brasil Itamar Gonçalves.

Reação imediata

Nos dias que se seguiram, representantes dos três poderes vieram a público para expressar indignação. Em 28/03, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, posicionou-se contra a decisão do STJ de não considerar a idade mínima de 14 anos para consentimento de atos sexuais, o que trouxe novas circunstâncias ao julgamento do STJ. "Ao afirmar essa relativização usando o argumento de que as crianças de 12 anos já tinham vida sexual anterior, a sentença demonstra que quem foi julgada foi a vítima, mas não quem está respondendo pela prática de um crime", declarou.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República resolveu acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) para buscar uma revisão da decisão judicial.

No Congresso, a revolta com a decisão da ministra foi endossada pela senadora Ana Rita (PT-ES), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a violência contra a mulher, e pelo deputado federal Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara (CDH), que manifestaram seu repúdio em plenário. A senadora afirmou que o posicionamento do STJ desrespeita direitos fundamentais das crianças e “acaba por responsabilizá-las”.

Finalmente, o poder judiciário, por meio da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), também levantou a voz. Em nota, classificou a decisão do STJ como uma "uma afronta ao princípio da proteção absoluta, garantido pela Constituição brasileira, a crianças e adolescentes", e mostrou preocupação com o perigoso precedente aberto por este caso diante da iminência da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, que exigirão esforços gerais no combate ao turismo e à exploração sexuais.

O caso pode ganhar repercussão internacional. A Unicef reiterou que a absolvição do réu confronta a Convenção sobre os Direitos da Criança — “carta magna” da ONU criada em 1989 que confere toda a base para que países adotem dispositivos legais visando a proteção da infância. O Brasil é um dos 193 países que assinaram o acordo.

Luz no fim do túnel

Diante da péssima repercussão do caso, o presidente do STJ Ari Pargendler admitiu que a decisão da ministra Maria Thereza pode ser revista. “O tribunal sempre está aberto para a revisão de seus julgamentos. Talvez isso possa ocorrer.” Já o ministro da Justiça, a princípio cauteloso (“As decisões do tribunal têm de ser respeitadas”), chegou a admitir que pessoalmente discorda do STJ na matéria. “Eu, como estudioso do Direito, tenho uma posição contrária. Mas o tribunal tem essa decisão. Não sei se ela será mantida, não sei se ela é definitiva. Mas aguardemos.”

 

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