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Revitimização: a recorrência do trauma como um impacto negativo ao desenvolvimento da criança e à responsabilização dos agressores

O desenrolar de processos que julgam casos de violência sexual contra crianças costuma trazer efeitos negativos às vítimas deste tipo de crime, como a revitimização. Trata-se do sofrimento emocional e psicológico infligido à criança pela lembrança do trauma, o que acontece quando ela é requisitada pelo sistema judiciário, por seguidas vezes, a relatar as circunstâncias e o ato em si a que foi submetida. A revitimização pode até mesmo atrapalhar as investigações: muitas vezes, quando submetidas a um modelo tradicional de tomada de depoimento, crianças e adolescentes sob frágil condição emocional omitem os fatos para evitar contato com a situação traumática e com agressores.

Uma medida que pode garantir que a vítima sofra o mínimo possível durante o processo é a escuta do Depoimento Especial. Sua proposta é que a criança seja ouvida de forma diferenciada e protegida, em um local agradável e acolhedor – que não seja uma sala de audiência –, com recursos técnicos para a gravação em audiovisual do depoimento prestado. Sua metodologia inclui a participação de assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, que conduzem a entrevista forense. Juízes, promotores e advogados/defensores podem fazer perguntas para que o (a) entrevistador (a) faça a adequação à linguagem da criança e do adolescente e ao contexto da entrevista.

Desde a primeira experiência, realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2003, já foram criadas 41 salas em 15 Estados brasileiros. Por meio de resolução de 2010, o Conselho Nacional de Justiça recomendou o modelo a todos os tribunais do Brasil, o que contribuiu muito para acelerar o ritmo de sua implantação. Contudo, existe um grande desafio em transformar o Depoimento Especial em uma política pública com atuação em todo o país. Foi com esse propósito que a Childhood Brasil convidou 40 magistrados e membros das equipes técnicas de 30 Comarcas do Rio Grande do Sul para um curso de capacitação para a tomada de depoimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual.

O curso teve duração de quatro dias (2 a 5 de abril) e contou com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado e com a coordenação de profissionais do Centro Nacional de Defesa da Criança dos EUA (sigla em inglês: NCAC), uma das maiores referências mundiais na área. “Escolhemos o Rio Grande do Sul porque é lá que mais da metade das salas de Depoimento Especial estão instaladas”, explica Itamar Gonçalves, gerente de programas da Childhood Brasil . “Foi muito interessante, porque no curso havia técnicos que adotam este modelo desde 2003 e agora estão refinando suas estratégias de abordagem. Do outro lado, havia profissionais que travaram contato com esta metodologia pela primeira vez.”

Itamar reforça que, para a implementação desta metodologia, exige-se um conhecimento mínimo de psicologia da criança e do adolescente e sobretudo das fases e/ou estágios de desenvolvimento por parte dos técnicos do judiciário. “A forma de trabalhar um caso varia de acordo com a faixa etária e com o estágio de desenvolvimento da vítima. Crianças de diferentes idades têm tipos diferentes de memórias”, pontua. “Há diversas técnicas para estabelecer uma empatia com a criança. Este é o primeiro passo para que o profissional situe aquela criança, explicando para ela porque ela está ali naquela sala, o que está acontecendo com ela”, explica.

A criação de um ambiente acolhedor para a criança é fundamental para que a justiça consiga extrair um depoimento espontâneo. E o trabalho do interlocutor da criança tem tudo a ver com isso. “Não nos esqueçamos que o juiz, o promotor de defesa e o advogado acompanham o que se passa na sala. Se ficar constatado que, de alguma forma, o interlocutor da vítima induziu sua fala, aquela informação já é descartada”, observa Itamar.

Itamar ainda informa que a Childhood Brasil pretende seguir organizando eventos como esse, para possibilitar à magistratura brasileira uma educação continuada e colaborar na construção de um protocolo para aplicação das metodologias do Depoimento Especial no Brasil.

 

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